Claudia Neugebauer, Claudio Nodari
1. Introdução
No contexto da presente obra, o «desenvolvimento linguístico compreensivo» abrange três dimensões:
- a valorização escolar da diversidade linguística e a promoção do bilinguismo e plurilinguismo na educação dos alunos, ver capítulo 4 em relação a este postulado pedagógico.
- a promoção dos conhecimentos sobre a língua oficial do país de acolhimento ou língua escolar. As competências respetivas são determinantes para a seleção escolar, para as perspetivas profissionais e para a integração no país de acolhimento; se possível, devem-se promover estas competências em todas as disciplinas de forma consciente e planeada.
- no caso de crianças e jovens com background migratório: o desenvolvimento compreensivo das competências na língua primeira, visando-se um desenvolvimento bilingue equilibrado na área escrita e oral (bilateralidade). Sem esta promoção linguística na sua língua primeira, sobretudo ao nível da escrita, muitas destas crianças e jovens iriam permanecer analfabetos na sua língua primeira e perder o contato com a sua escrita (ver os relatos autobiográficos de alunos do ELH no cap. 8 B.1 e a experiência amarga de Agnesa em 8 B.2). Entende-se que o ELH representa um papel muito significativo, sobretudo para as crianças e jovens provenientes de famílias menos escolarizadas, uma vez que os seus encarregados de educação estariam sobrecarregados com as tarefas de educação linguística correspondentes.
As explicitações que se seguem dizem respeito aos quadros teóricos de referência e aos modelos relativa- mente às competências linguística e textual, que se aplicam sobretudo às línguas primeira e segunda. Sempre que possível, referir-nos-emos diretamente ao ELH e seus alunos.
No âmbito da discussão acerca do desenvolvimento linguístico compreensivo, a distinção entre a língua da escola, por um lado, e a língua do uso diário, por outro, desempenha um papel fundamental. A língua da escola distingue-se fortemente da do quotidiano, quer no ELH, quer no ensino regular.
Por um lado, a língua da escola inclui um vocabulário específico do contexto escolar (para conteúdos temáticos, atividades de aprendizagem, objetos escolares, etc.) e formas gramaticais específicas (construções passivas, orações subordinadas, etc.), que raramente se encontra no vocabulário da língua do quotidiano. Por outro lado, a aprendizagem escolar exige um uso fortemente consciencializado e planeado da língua, a aplicar em situações de uso específico e em textos escritos.
De seguida, iremos explicitar as diferentes competências linguísticas relevantes para a aprendizagem escolar. Perante este pano de fundo, discutem-se as diferenças entre a língua da escola e a língua do quotidiano, e introduzimos depois o conceito de competência textual. O capítulo termina com exemplos concretos, que apontam para as competências apropriadas para serem trabalhadas no contexto do desenvolvimento linguístico compreensivo.
2. Dimensões da competência linguística
O conceito de «competência linguística» implica capacidades e habilidades a vários níveis do processamento e uso linguístico. Portmann-Rselikas (1998) faz a seguinte distinção:
- a) competência linguística em sentido restrito
- b) competência pragmática
- c) competência da lógica linguística
- d) competência estratégica
É possível encontrar uma boa listagem dos seus objetivos, ou melhor, dos seus princípios orientadores no terceiro capítulo do Quadro de referência para o ensino de língua e cultura de herança de zurique, que foi traduzido para 20 línguas e se encontra disponível na internet (ver referências bibliográficas).
a) Competência linguística em sentido restrito
A competência linguística em sentido restrito compreende os conhecimentos acerca do funcionamento de uma língua: é preciso ter conhecimentos acerca do vocabulário, do sistema das regras gramaticais, da pronúncia, da fonética e da prosódia, etc. de uma língua que possibilitem a compreensão e a expressão.
Na competência linguística em sentido restrito trata-se, portanto, de capacidades elementares, que possibilitam uma pessoa responder às suas necessidades linguísticas numa determinada língua.
Tendo em conta que o vocabulário, a gramática, o sistema fonético e a prosódia divergem entre as línguas, a competência linguística em sentido restrito tem que ser desenvolvida, pelo menos parcialmente, na aprendizagem de cada nova língua.
No que se refere ao ELH, os alunos costumam possuir competência linguística em sentido restrito na sua língua, que lhes permite comunicar, pelo menos, nas situações mais simples do dia-a-dia. Contudo, o seu nível de domínio é significativamente mais baixo do que nas crianças das suas idades que crescem no seu país de origem. Um problema muito particular existente em algumas línguas, diz respeito aos casos em que as crianças provêm de famílias menos escolarizadas ou iletradas, que dominam a sua língua apenas numa variedade dialética. Nestes casos, a comunicação no ELH pode estar fortemente debilitada, até ao momento em que um determinado nível seja alcançado na variedade comum utilizada em sala de aula (que normalmente corresponde à língua estandardizada ou escrita).
As reflexões sobre diferentes variedades na sua língua primeira (língua estandardizada, dialetos, versões orais, usos das camadas jovem e idosa, calão, code-switching/mistura linguística) e comparações com a língua segunda representam, para as crianças bi- e plurilingues, uma ajuda muito significativa e preciosa para a orientação e desenvolvimento da sua consciência linguística (language awareness). Os professores do ELH podem e devem criar situações de aprendizagem neste âmbito a partir dos níveis elementares e estimular os alunos a estabelecer comparações simples, quer ao nível lexical, quer ao nível gramatical.
b) Competência pragmática
Este tipo de competência diz respeito aos conhecimentos dos comportamentos culturalmente marcados num determinado grupo linguístico ou regional. Uma pessoa com competência cultural é capaz de se comportar adequadamente em diferentes situações sociais no seio de uma comunidade linguística. Sabe, por exemplo, como dirigir-se a uma pessoa de respeito, que tipo de questões se pode – ou não – fazer ou como e quando se deve cumprimentar quem, de forma adequada.
Pragmatic norms differ from language to language and often even within the same language area.
Desta forma, pessoas que vivem ou crescem numa comunidade linguística ou cultural diferente, precisam de conhecer e respeitar as normas específicas da nova comunidade, para não passarem por mal-educados ou rudes.
O tratamento das normas culturais e linguísticas de uma determinada língua ou cultura representa, hoje em dia, parte integral e reconhecida no ensino de língua, e no ELH gera momentos importantes de aprendizagem e reflexão. A discussão destas temáticas torna-se tanto mais autêntica e interessante, quanto maior for o contato e a relação com as experiências dos alunos que crescem com e entre duas línguas e culturas.
Uma discussão metalinguística acerca das normas pragmáticas poderá ser introduzida através de questões como as que se seguem:
- O que sabes acerca do tratamento com «tu» e «você» na nossa cultura de origem e aqui, onde vivemos? Quem é que podes tratar por «tu»? Quem tens de tratar por «você», etc.?
- De que forma cumprimentas quem? Quais as regras de cumprimentar que conheces? Quando é que se utiliza uma ou outra forma de cumprimento ou de despedida? – aqui e na nossa cultura de origem?
- O que associam aos conceitos de volume de voz, contato corporal, distância entre os falantes, quando comparam as duas culturas?
c) Competência da lógica linguística
A competência da lógica linguística é a capacidade de compreender, inter-relacionar e reproduzir conte- údos temáticos e textos de elevada complexidade. Esta competência possibilita a uma criança, por exem- plo, compreender uma história, seguir ou formular linguisticamente um processo com vários passos. Esta competência também é necessária para o ELH, quando, por exemplo, a comunicação com os alunos mais velhos se baseia exclusivamente em textos e tarefas escritas, porque a professora está a trabalhar com os alunos mais jovens.
A competência da lógica linguística não está associada a uma determinada língua e não precisa, por isso, de ser adquirida com cada nova língua.
Trata-se antes de uma competência que se adquire uma vez e depois se pode aplicar a todas as línguas aprendidas.
Normalmente, os alunos trazem os conhecimentos nesta matéria do ensino regular; o ELH pode ligar-se a estes conhecimentos prévios e desenvolvê-los. Com os alunos mais jovens é possível desenvolver a competência da lógica linguística através de exercícios de caráter lúdico (colocar imagens na ordem certa, contar uma história a partir de imagens, juntar partes recortadas de uma mesma história, ler uma tabela, agrupar partes de um conjunto). Alunos mais avançados podem desenvolver a sua competência da lógica linguística através da realização de apresentações a partir de indicações claras ou através da elaboração de relatórios escritos.
d) Competência estratégica
A competência estratégica compreende a capacidade de resolver problemas na compreensão linguística e durante a aprendizagem de línguas.
Os aprendentes com elevados níveis da compreensão estratégica sabem, por exemplo, como questionar perante dificuldades de comunicação, como e onde encontrar informação em livros ou na internet, como pedir ajuda ou como proceder quando é necessário compreender ou produzir algo linguisticamente complexo. Tal como a competência da lógica linguística, a competência estratégica não se encontra associada a uma só língua e pode ser aplicada a várias línguas.
No ELH é possível desenvolver a competência estratégica a partir de exercícios bem estruturados e repetitivos. Ações linguísticas que se repetem no ensino sempre da mesma forma, como por exemplo, subli- nhar, repetir em voz alta, aprender de cor, encontrar palavras num texto, planear um texto, investigar so- bre um tópico, etc., tornam-se rotineiras ao longo do tempo. É possível levar a cabo uma reflexão sobre estes procedimentos (consciencializar-se das estratégias) mesmo com os alunos mais novos, sendo que essa reflexão costuma influenciar positivamente o desenvolvimento da competência estratégica.
Particularmente promotor de aprendizagem: procedimento coordenado
As competências da lógica linguística e estratégica são particularmente importantes para o sucesso escolar. Estas competências não se encontram associadas a uma língua específica e podem ser desenvolvidas tanto no ELH como no ensino regular, na segunda língua ou língua do país de acolhimento. Seria ótimo poder haver uma coordenação entre o ELH e o ensino regular nesta matéria. Quando os alunos praticam, quer no ELH, quer no ensino regular, a mesma atividade em simultâneo – por exemplo sublinhar partes importantes num texto – o efeito de aprendizagem duplica-se: dispõem de mais tempo para exercitar e compreendem que esta atividade é útil para qualquer língua.
Torna-se inquestionavelmente útil, por parte dos professores do ELH, contatar os professores do ensino regular, no sentido de obter informações quanto às estratégias e aos procedimentos que estão a ser exercitados no ensino regular e que poderiam ser aplicados da mesma forma ao ELH.
3. Língua do quotidiano, língua da escola, BICS – CALP
Jim Cummins, investigador canadiano na área da educação, diferenciou, já em 1980, dois tipos ou duas dimensões da competência linguística: BICS (Basic Interpersonal Communicative Skills: proficiências elementares ao nível da comunicação interpessoal) e CALP (Cognitive Academic Language Proficiency; proficiência linguística académica cognitiva). Na grande maioria das pessoas, as BICS são adquiridas sobretudo através dos contatos sociais diários. Participar numa situação comunicativa do dia-a-dia, escrever ou ler pequenas mensagens de texto (no telemóvel), perguntar por um caminho, etc., representam ações linguísticas para as quais não é necessária qualquer promoção escolar. Ao contrário, quando é necessário produzir desempenhos linguísticos mais complexos, são necessárias as competências CALP. De uma forma geral, elas representam as competências da lógica linguística e estratégica, descritas na parte anterior, e que são subjacentes às línguas, isto é, quem as adquire numa determinada língua, poderá aplicá-las também noutras. Elas são determinantes para o sucesso escolar e subsequentes perspetivas profissionais, bem como para a integração social. É por este motivo, e no interesse dos alunos do ELH, que se torna absolutamente desejável haver uma ação coordenada nesta matéria entre o ensino regular e o ELH.
A hipótese da interdependência
Entre as diferentes línguas que um individuo domina existe um certo tipo de dependência ou interdependência. Foi através desta teoria de interdependência que Jim Cummins conseguiu explicar que crianças provenientes de famílias escolarizadas e que dispõem de boas bases escolares, aprendem uma língua segunda de forma mais rápida e eficaz, que crianças provenientes de famílias menos escolarizadas e com menor contato com as línguas. Graças às competências CALP, particularmente desenvolvidas nas famílias com maior nível educativo e transmitidas através de comportamentos linguísticos diferenciados, de contar histórias, de explicar temáticas e conceitos, entre outros, num contexto linguístico novo as crianças destas famílias conseguem facilmente concentrar-se nos de- safios puramente linguísticos (vocabulário, gramática, pronúncia, pragmática, etc.). Pelo contrário, as crianças provenientes de famílias com menor nível educativo e que não nascem ou crescem no contato regular com a língua da escola ou do país de acolhimento, precisam de adquirir, na escola regular, não apenas a língua segunda, mas também as competências escolares cog- nitivas (CALP). Esta situação representa um desafio linguístico duplicado e é, por isso, um dos motivos para percursos escolares com menor sucesso.
Os professores do ELH podem contribuir de uma forma significativa para a melhoria das oportunidades se, no contexto das suas aulas do ELH e de preferência em coordenação com o ensino regular, realizarem atividades para o desenvolvimento das CALP e das competências da lógica linguística e estratégica.
4. A competência textual
Na didática das línguas distingue-se geralmente quatro áreas: ouvir, ler, falar e escrever. Contudo, em cada uma destas áreas existe, em termos cognitivos, uma exigência muito diferenciada. Assim, torna-se por e- xemplo bastante mais fácil escrever uma mensagem por telemóvel do que redigir um relatório detalhado. As exigências cognitivas são evidentemente mais baixas quando os alunos falam entre si sobre as suas férias passadas, em comparação com uma apresentação perante um determinado público acerca de uma dada época histórica do seu país de origem.
O que referimos nos capítulos anteriores como competências da lógica linguística e estratégica, ou as CALP, é definido por Portmann-Tselikas e Schmölzer- Eibinger (2008) como «competência textual». Com este conceito diferenciam o modelo BIC-CALP do de Cummins. No seu modelo de competências textuais distinguem quatro áreas de desempenho linguístico.
Neste modelo, as normas de referência são as seguintes:
- A orientação temática através da vida do quotidiano e
- A orientação temática através do conhecimento sistematizado.
Por outro lado, o modelo da competência textual distingue ainda entre
- Produtos linguísticos organizados dialogicamente e
- Produtos linguísticos organizados monologicamente, isto é, produtos linguísticos estruturados textualmente.
Para além da sua atualidade em termos da didática das línguas contemporânea, este modelo é também particularmente pertinente para o ELH e para a promoção linguística aí desenvolvida, pelo que o iremos explicitar mais aprofundadamente de seguida.
1. Ato de fala «conversar»
O primeiro quadrado refere-se às atividades dialógicas de conteúdo do quotidiano. A estas pertence uma grande parte das nossas atividades linguístico-cognitivas, sobretudo durante os tempos livres. Nessas situações, as pessoas trocam informações novas, mas não costumam construir conhecimento novo (em termos de conceitos novos, inter-relações, temáticas, …).
Estes atos não costumam ser planeados ou estruturados, ocorrem de forma espontânea e costumam ser repetitivos ou redundantes.
Poderão ser englobados sob o termo «conversar», embora também se possam incluir formas simplificadas da escrita nesta categoria (pequenos textos como ler e escrever mensagens de telemóvel, cartões de ocasiões especiais, lista de compras, etc.).
As competências cognitivas para funcionar neste quadrante são desenvolvidas no ser humano desde muito cedo através do contato social e, em primeiro lugar, naturalmente, na primeira língua. Quando as crianças entram na escola, já conhecem, de forma implícita, como a comunicação dialógica decorre. O que irão aprender na escola e no ELH são sobretudo palavras adicionais relevantes para o quotidianos e usos, bem como as regras específicas para a comunicação em grupo.
2. Ato de fala «contar»
O segundo quadrante diz respeito aos atos linguísticos em que os produtos linguísticos são significativamente mais estruturados ou formatados em termos da sua escrita. Isto refere-se a todas as formas de contos, relatos, etc.. Por exemplo, um conto de fadas contado por um adulto tem uma forma fortemente textual, isto é, processa-se através de frases completas, de uma linha de narrativa e com um vocabulário sofisticado. O mesmo também se aplica a contos escritos, relatórios, composições, etc., cujo nível de exigência é significativamente superior ao que se encontra no «conversar». As competências cognitivas necessárias para compreender uma narração, falar sobre contos ou para própria elaboração de uma história desenvolvem-se nas crianças a partir das competências fundamentais adquiridas no primeiro quadrante. Este processo inicia-se nas crianças numa fase muito jovem – quando escutam uma história antes do adormecer, por exemplo.
Crianças de famílias mais escolarizadas, para as quais as histórias contadas antes do adormecer a partir do seu 2.º ano de vida desempenham um papel muito importante, tornam-se rapidamente capazes de seguir uma história simplesmente através de estímulos puramente linguísticos.
Crianças que crescem com muitas histórias aprendem cedo a construir imagens internas a partir dos inputs linguísticos, a criar um filme interno relativamente à história escutada e a conversar sobre esse filme. (Neste contexto fala-se também de «representações internas»). Pelo contrário, às crianças oriundas de famílias menos escolarizadas, em que não se contam histórias, faltam muitas vezes exatamente essas competências na altura de entrarem no jardim-escola. Nesta matéria, a escola e o ELH podem ter, pelo menos, um efeito compensador, através da criação e orientação consciente de momentos para contar histórias, falar sobre as histórias, bem como para a criação de imagens internas nas crianças.
3. Ato de fala «explicar»
As bases para as competências cognitivas do terceiro quadrante também são desenvolvidas desde uma idade muito jovem, nomeadamente a chamada fase dos «porquês». Quando as crianças começam a fazer perguntas «porquê», são confrontadas com respos- tas complexas. Os pais que, a partir destas «perguntas do porquê», dedicam o seu tempo para fazer explicações intensas, não só transmitem conhecimentos gerais muito importantes, como também prestam um contributo muito significativo para a construção de estruturas cognitivas, como, por exemplo, causa – efeito (se – então), condição/limitação (caso …), ou diferentes cenários «se» (isto seria assim, se …). Os atos linguísticos do terceiro quadrante são organizados dialogicamente, isto é, os parceiros de comunicação alternam o papel de falante, embora de forma menos frequente do que no primeiro quadrante. Nestas conversas também surgem sequências monológicas mais longas, por exemplo quando um adulto faz uma explicação mais detalhada ou prolongada ou quando uma criança pretende compreender algo de forma mais a- profundada. Um exemplo para um texto escrito neste quadrante seria uma entrevista com um especialista de uma área, em que a cada questão se seguisse uma resposta bastante longa.
Muitas crianças provenientes de famílias menos escolarizadas não possuem a experiência de conversas explicativas, de forma que têm estas competências muito pouco desenvolvidas.
No que diz respeito à competência «explicar», o ELH tem duas tarefas muito importantes: em primeiro lugar, tem de oferecer tarefas adequadas, por exemplo «explica por que motivo algo (um processo, um facto histórico ou cultural, etc.) é de uma forma ou outra!». Em segundo lugar, tem de apoiar os alunos na realização destas tarefas em termos da sua estruturação e da utilização de um vocabulário adequado na sua primeira língua. Isto exige, muitas vezes, uma preparação cuidadosa, pois muitos alunos do ELH apresentam dificuldades na utilização de um vocabulário mais facetado na sua primeira língua.
4. Atos de fala «escolares-académicos»
O quarto quadrante relaciona-se com atos linguísticos orais ou escritos textualmente estruturados (mais sofisticados) e que transmitem, em termos do seu conteúdo, novos conhecimentos. As crianças contatam com este tipo de textos sobretudo em contextos escolares. Já no jardim-de-infância, as crianças seguem textos auditivos (compreensão oral). Na escola primária têm de fazer pequenas apresentações sobre um animal (falar), ler textos factuais (compreensão escrita) ou tirar notas durante uma experiência (escrever). Estes atos linguísticos exigem competências cognitivas que têm de ser construídas no contexto escolar e que se baseiam num bom desenvolvimento das competências dos quadrantes dois e três.
As competências cognitivas deste quadrante são fundamentais para o sucesso educativo (ver também acima as explicação acerca das CALP).
Em relação a este quadrante, naturalmente que o ELH se pode basear nas competências e técnicas que os alunos trazem do ensino regular. Contudo, pode e deve criar ocasiões para aplicar estas competências na língua de herança, no contexto das temáticas do ELH, dando o apoio necessário aos alunos.
Atos linguísticos complexos através do desenvolvimento escolar
O desenvolvimento linguístico parte do primeiro quadrante. Apenas depois de ter desenvolvido as competências do primeiro quadrante, é que uma criança pode começar a desenvolver as competências do segundo e terceiro quadrantes. Quando as crianças não trazem estas competências a partir de casa, é da responsabilidade do jardim-escola, da escola primária e do ELH, promover momentos para potenciar o desenvolvimento destas áreas de forma focalizada – por e- xemplo, através de contar e resumir histórias (simples) repetitivamente ou através da explicação de processos e contextos de forma adequada à faixa etária.
As competências do quarto quadrante apenas se podem desenvolver quando as crianças já dominam as competências do segundo e terceiro quadrantes. Um caminho direto entre o primeiro e o quarto quadrantes não existe. Pelo contrário, existem influências retroativas das competências cognitivas do quarto para o primeiro quadrante: as pessoas que aprenderam a redigir textos, a relatar um acontecimento de forma clara e detalhada, sabem expressar-se oralmente de forma mais diferenciada no quotidiano do que as pessoas que apresentam nenhum ou fraco nível de desenvolvimento das competências do quarto quadrante.
A tarefa especial do ELH é apoiar as crianças em todas estas fases de desenvolvimento, para que adquiram estas competências também na sua língua de herança.
Muitas crianças tornam-se mais fortes na língua escolar do seu país de acolhimento do que na sua primeira língua – o que também não é de estranhar, uma vez que passam cerca de 30 aulas semanais a estudar a língua escolar, e a sua língua primeira apenas 2 aulas por semana! Por este motivo torna-se particularmente importante otimizar as lições, em termos da sua eficiência e do desenvolvimento linguístico.
Um desafio duplo: aprender a estrutura linguís- tica e construir competência textual
Para o desenvolvimento linguístico num contexto plurilingue em geral, e para o ELH em particular, é impor-
tante que o ensino de língua considere duas dimensões linguísticas diferentes em simultâneo.
Por um lado, é preciso apoiar a aprendizagem da estrutura da língua. No ELH, isto refere-se sobretudo ao sistema de escrita standard ou variantes de escrita da língua de herança.
Por outro, é necessário construir e reconstruir as diferentes facetas da competência textual (CALP, competência da lógica linguística e estratégica, ver acima), uma vez que estas se tornam decisivas para o sucesso escolar e educativo. Neste contexto, o ELH deve refe- rir-se ao que os alunos trazem do ensino regular.
Quanto melhor for a cooperação entre o ELH e o ensino regular, por exemplo a utilização das mesmas estratégias de leitura ou de escrita na língua primeira e segunda, mais sustentado se torna o efeito de aprendizagem.
Um foco unilateral do desenvolvimento do sistema linguístico, contribui de forma muito limitada para o sucesso escolar de uma criança.
5. Consequências para um desenvolvimento linguístico compreensivo
As experiências na prática mostram que, na maioria das aulas, as atividades dialógicas se encontram em primeiro plano. Na ilustração dos quatro quadrantes da competência textual (ver acima), estas atividades correspondem aos quadrantes um e três. O professor troca impressões com os alunos, por exemplo acerca das férias (quadrante 1) ou fala com eles acerca da agricultura no país de origem (quadrante 3).
Um desenvolvimento linguístico compreensivo parte do pressuposto de que se promova, de forma orientada, em todas as disciplinas em que a língua desempenhe um papel importante, também atividades monológicas, portanto atos linguísticos dos qua- drantes dois e quatro. Os exemplos seguintes mostram como isto se pode e deve concretizar no contexto das aulas do ELH.
a) Proporcionar atos linguísticos complexos através de tarefas de suporte
Tarefas de suporte para o falar ou o escrever são tarefas e instruções que disponibilizem aos alunos material linguístico e apoio para a estruturação e criação de um texto. Um exemplo são os diferentes inícios de frases e elementos frásicos ilustrados no capítulo 7 B.4 que ajudam os alunos de espanhol, no ELH, da St. Augustin’s School em Londres, a criar os seus textos de uma forma mais diversificada.
Através das tarefas de suporte poderá acompanhar-se os alunos para que na produção de textos orais ou escritos utilizem palavras,
formulações ou construções frásicas, que ainda não seriam capazes de utilizar produtivamente sem apoio adicional.
A didática das línguas refere-se a este tipo de atividade como Scaffolding (inglês scaffold=andaime). As tarefas criam andaimes, que, com o passar do tempo, – quando se tenham desenvolvido rotinas – já não serão necessários. Quando um aluno, apoiado nestas tarefas de suporte, mostra ter bons níveis de desempenho, é frequente que os seus níveis de motivação e envolvimento também se elevem. Em simultâneo, o trabalho frequente com tarefas de suporte leva ao desenvolvimento sucessivo de repertórios linguísticos e estratégicos, por um lado, e ao desenvolvimento de rotinas que serão seguidas cada vez mais autonomamente, por outro.
O exemplo seguinte mostra como uma criança de oito anos, com dificuldades linguísticas, escreve uma história baseada em imagens. A criança recebe um modelo (à direita), do qual poderá aproveitar a estru- tura e alguns elementos frásicos. Na terceira frase do seu próprio texto até utiliza um elemento frásico aprendido num exercício semelhante anterior («desde sempre que ele quis …», ver página seguinte). Isto evidencia que os elementos frásicos podem ser memorizados, encontrando-se disponíveis para utilizações posteriores.
Com o tempo, a estrutura de «andaimes» para um tipo específico de textos (por exemplo história em imagens) passa a estar interiorizada. A partir desse momento, o professor poderá iniciar um novo tipo de texto (por exemplo pequenas apresentações orais), fornecendo novamente um conjunto de meios linguís- ticos e «andaimes».
Compreende-se que este tipo de modelos também poderá ser disponibilizados nas aulas do ELH, na língua de herança, sem qualquer problema. Áreas de utilização: andaimes para histórias em imagens / relatos de viagens / textos factuais / pequenas apresentações orais (estrutura; fórmulas para começar e para terminar, etc.); coleção de inícios frásicos e outros meios linguísticos, como no cap. 7 B.4.
Uma série de ideias neste sentido encontra-se na IIIª parte do caderno «Desenvolvimento da escrita na língua primeira» da série «Materiais para o ELH».
b) Construir um vocabulário que possibilita atos linguísticos complexos
Adultos e crianças aprendem constantemente palavras novas – mesmo sem input escolar. No entanto, para uma aprendizagem bem-sucedida é necessário orientar a aquisição da língua através de um trabalho complementar, em termos lexicais. Isto aplica-se de forma duplicada na língua primeira ou de herança, em que muitos alunos (e sobretudo os que não frequentam o ELH!) são mais fracos na sua língua primeira ou de herança do que na língua escolar do país de acolhimento. Neste contexto, o chamado desmoronamento dos vocabulários representa uma grande ameaça. Significa isto que as crianças dominam o vocabulário que utilizam nos contextos familiares, sobretudo na sua língua de herança (muitas vezes apenas num determinado dialeto), enquanto dominam, no contexto escolar, apenas o vocabulário da língua escolar do país de acolhimento (escola, saco de desporto, recreio, medir, pesar, etc.).
Uma função muito importante do ELH é evitar o desmoronamento dos vocabulários através do trabalho conscientemente focado no vocabulário escolar na língua de herança.
Isto pode e deve acontecer sempre em articulação com a língua escolar do país de acolhimento, como sugere o exemplo para uma planificação de Etleva Mançe, ilustrado no capítulo 8 B.3. (Comparar também o testemunho da professora no cap. 8 B.4: «Por experiência própria sei que através do ensino paralelo em alemão e em romeno, as crianças passam a dominar a sua língua materna muito melhor!»)
No sentido de tornar os alunos capazes de realizar atos linguísticos complexos, é necessário acompanhá-los de uma forma sistematizada na construção de um vocabulário que não se limita ao léxico do quotidiano. Para trabalhar este objetivo, uma das práticas que tem vindo a ser aplicada com sucesso diz respeito à elaboração de um pequeno texto durante a preparação de uma unidade temática, que corresponda ao que o professor espera dos seus alunos no final dessa unidade. Nas aulas com crianças mais novas, o professor imagina um texto oral a ser produzido pelos alunos, no caso dos alunos mais crescidos poderá ser um texto escrito.
Um texto ficcional deste tipo esclarece qual o vocabulário e formulações mais relevantes para uma dada temática. Estas palavras e formulações são assinaladas no texto ficcional a ser produzido pelas crianças. Desta forma, constrói-se a base para a elaboração de uma lista ajustada, quer em termos do seu tamanho, quer em termos da sua adequação à faixa etária. Esta lista irá fazer parte de um vocabulário produtivo (ver em baixo). Evidentemente que, a partir dos textos ficcionais dos alunos poderão ser produzidas 2 ou 3 listas diferentes, de acordo com os diferentes níveis linguísticos dos alunos.
O exemplo seguinte, de uma ação de formação, mostra uma tarefa dada aos professores e a proposta de um professor que trabalha com alunos entre os 11 e os 12 anos de idade.
- Tarefa
Elabore um texto ficcional de um aluno em relação a um tema que está a trabalhar nas suas aulas neste momento. Escreva o seu texto de acordo com a pergunta-chave seguinte:
O que é que os seus alunos devem saber dizer ou escrever no final da unidade; quais as palavras importantes que eles devem conhecer e saber aplicar? - (Proposta de um professor)
Tema Idade da Pedra – O fogo
As pessoas aprenderam a controlar o fogo. Sabiam acender lume sozinhas e sabiam usar o fogo.
O fogo protegia-as de animais noturnos e de insetos, e dava luz.
O fogo possibilitava a sobrevivência em regiões mais frias. Poderiam grelhar carne no fogo, desta forma a carne tornava-se de digestão mais fácil.
Além disso, era possível produzir uma cola muito forte queimando-se casca de bétula no fogo.
c) Vocabulário produtivo/ativo e vocabulário recetivo/passivo
A distinção entre o vocabulário produtivo e o recetivo é muito importante em todo o trabalho lexical. O vocabulário produtivo refere-se a palavras e expressões importantes e disponíveis, que os alunos conseguem utilizar de forma autónoma e ativa (no nosso exemplo: controlar, possibilitar, digestão, também a construção «ser possível …», etc.). No entanto, precisam de oportunidades para poderem exercitar ou aplicar estes vocábulos, por exemplo a tarefa de utilizar estas palavras de forma consciente num texto oral ou escrito 2–3 vezes.
O vocabulário recetivo diz respeito a palavras e expressões mais raras, que podem ser compreendidas pelos alunos de forma passiva, mas que (ainda) não precisam de ser aprendidas para a utilização própria (no nosso exemplo (acender lume, casca de bétula, etc.).
Em relação às palavras que «apenas» precisam de ser compreendidas é importante a seguinte distinção:
- 1. Palavras, expressões, construções sem grande valor de utilização: aqui basta um pequeno esclarecimento – em geral, oral.
- 2. Palavras ou formulações que é necessário repetir durante a continuação do trabalho no tema – por exemplo, em textos ou explicitações por parte do professor: neste caso, faz sentido tanto a explicação como o registo do seu significado.
Sobretudo durante o trabalho com textos factuais é frequente haver várias palavras e formulações que precisam de ser esclarecidas oralmente. Quando a maioria das explicações são novas, os aprendentes têm grande dificuldade em memorizar tudo. Deste modo, podem-se registar notas explicativas num póster, num caderno de significados, em notas nas margens dos textos, em blocos de notas autocolantes, etc., de forma a estarem disponíveis no trabalho posterior.
d) Importante para atos linguísticos mais complexos: meios de conexão
Para que formulações complexas se possam estender para além do final de uma frase, é necessário fornecer os alunos um conjunto de palavras especiais. São palavras como «porque», «mas», «em breve», «de repente». É raro haver um foco específico nestas palavras durante as aulas. Também se encontram raramente nas listas de vocabulário que os professores elaboram para as suas turmas (ver pósteres no cap. 7 B.4!).
Estas palavras têm o objetivo de conectar diferentes ideias ou textos. É por isso que são designados como «palavras funcionais» ou «meios de conexão». Para que os alunos possam compreender o significando destas palavras funcionais, precisam de as aprender inseridas num contexto que faça sentido. Quando se lê um texto de um aluno em voz alta, o professor pode selecionar uma frase que contenha uma destas palavras funcionais e perguntar qual a sua função. Até os alunos mais jovens mostram interesse por este tipo de questões metalinguísticas. Desta forma, por exemplo, pode discutir-se por que motivo é necessário utilizar «ou» em vez de «e» num determinado local. Com alunos mais velhos poderão ser analisadas as diferenças de significado nas frases «não saio porque está a chover» e «não saio quando está a chover». A discussão sobre o efeito de palavras e expressões como «de repente», «depois de algum tempo», «aguardava ansiosamente que …» podem estimular os alunos para a escrita.
Entende-se que reflexões acerca da língua (bem como as comparações com a língua da escola do país de acolhimento) podem contribuir significativamente para aumentar a sensibilidade dos alunos em relação à língua de herança e às suas competências na mesma.
Referências bibliográficas
(ver também os cadernos da série «Materiais para o ensino da língua de herança/sugestões didáticas»)
Bildungsdirektion Kanton Zürich (2011): Rahmenlehr- plan für Heimatliche Sprachen und Kultur (HSK). Link: http://www.vsa.zh.ch/hsk
Cummins, Jim (2000): Language, Power and Peda- gogy. Bilingual Children in the Crossfire. Clivedon, England: Multilingual Matters.
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Link: http://www15.gencat.net/pres_casa_llengues/ uploads/articles/Bilingual%20Childrens %20Mother
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Neugebauer, Claudia; Claudio Nodari (2013): Förderung der Schulsprache in allen Fächern. Praxisvorschläge für Schulen in einem mehrspra- chigen Umfeld. Kindergarten bis Sekundarstufe I. Bern: Schulverlag plus.
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